quinta-feira, 18 de julho de 2013

Papa João Paulo II - discurso sobre Humanae Vitae

Discurso de João Paulo II aos Sacerdotes Participantes de um Seminário de Estudo sobre a “Procriação Responsável”.

Discurso proferido por S.S. João Paulo II, em 17 de setembro de 1983 Caríssimos


1. Com um espírito alegre vos recebo no final desse importante seminário. Ao direcionar-me a vós com as minhas cordiais saudações, desejo exprimir aos organizadores do "Seminário de Estudo" meu profundo contentamento pela oportuna iniciativa, que buscou refletir sobre um dos pontos essenciais da doutrina cristã sobre o casamento. Durante estes dias, na verdade, estais tentando redescobrir as razões de tudo que Paulo VI ensinou na Encíclica Humanae Vitae, e que eu mesmo reafirmei na exortação apostólica Familiaris Consortio.

O aprofundamento das razões para este ensino é uma das tarefas mais urgentes para qualquer pessoa envolvida no ensino da ética, ou no ministério da família. Não é, de fato, suficiente que esse seja fiel e plenamente proposto, mas cumpre a nós também o compromisso em mostrar quais são as suas razões mais profundas.

Elas são, em primeiro lugar, de natureza ideológica. Na origem de toda a pessoa humana está um ato criativo de Deus: ninguém vem à existência por acaso; todo ser humano é sempre fruto do amor criador de Deus. Dessa verdade fundamental da fé e da razão, segue-se que a capacidade procriativa, inscrita na sexualidade humana, é - na sua verdade mais profunda - a cooperação com o poder criativo de Deus. Daí deriva também que o homem e a mulher não são os árbitros desta mesma capacidade, não são seus donos, chamados como são, nela e através dela, a participar da decisão criadora de Deus. Quando, portanto, através da contracepção, os esposos retiram do exercício de sua sexualidade conjugal sua potencial capacidade procriativa, eles atribuem a si um poder que pertence somente a Deus: o poder de decidir, em última instância, sobre a vinda à existência de uma pessoa humana. Atribuem a si o status de serem não os cooperadores do poder criador de Deus, mas os depositários últimos da origem da vida humana. Nessa perspectiva, deve-se julgar a contracepção, objetivamente, tão profundamente ilícita, que ela não pode nunca, sob nenhuma circunstância, ser justificada. Pensar ou dizer o contrário é acreditar que na vida humana podem ocorrer situações em que seja lícito não reconhecer a Deus como Deus.

2. Há, então, razões de ordem antropológica. O ensinamento da Humanae Vitae e Familiaris Consortio se justifica no contexto da verdade da pessoa humana: é esta verdade que lhe está subjacente.

A conexão inseparável, de que fala a Encíclica, entre o significado unitivo e o significado procriativo, inscrita no ato conjugal, faz-nos compreender que o corpo é uma parte constitutiva do homem, que pertence ao ser da pessoa e não ao que ela tem. No ato que exprime seu amor conjugal, os esposos são chamados a fazer de si mesmos um dom um ao outro (uma doação de si para o outro): nada do que constitui seu ser pessoa pode ser excluído desta doação.

Ouvimos um texto de rara profundidade do Concílio Vaticano II: "Ille autem amor, utpote eminenter humanus, cum a persona in personam voluntatis affectu dirigatur, totius personae bonum complectitur. . . Talis amor, humana simul et divina consorcians, coniuges ad liberum et mutuum sui ipsius donum. . . conducit "(Gaudium et Spes, 49). "A persona in personam": estas palavras tão simples expressam toda a verdade do amor conjugal, o amor inter-pessoal. Um amor todo concentrado sobre a pessoa, centrado no bem da pessoa ("totius personae bonum complectitur"): sobre o bem que é o “ser pessoa”. É esse bem que os cônjuges se doam reciprocamente ("liberum et mutuum sui ipsius donum"). O ato contraceptivo introduz uma limitação substancial dentro deste dom recíproco e exprime uma recusa objetiva de doar ao outro, respectivamente, todo o bem da feminilidade ou da masculinidade. Em uma palavra: a contracepção contradiz a verdade do amor conjugal.

3. Não podemos ignorar as dificuldades que o casal encontra para ser fiel à lei de Deus, e essas dificuldades foram o assunto de vossa reflexão. É necessário que façamos o que é possível, para que os cônjuges sejam ajudados de forma adequada.

É necessário, antes de tudo, evitar a "gradualidade" da lei de Deus, “adequando-a” à medida das várias situações em que os cônjuges se encontram. A lei moral nos revela o plano de Deus para o casamento, o bem inteiro do amor conjugal: querer reduzir esse projeto é uma falta de respeito pela dignidade humana. A lei de Deus expressa as exigências da verdade da pessoa humana; aquela ordem da divina sabedoria "quem si tenuerimus in hac vita", como diz Santo Agostinho, "perducet ad Deum, et quem nisi tenuerimus in vita, non perveniemus ad Deum" (Santo Agostinho, De Ordine 1, 9, 27: CSEL 63, 139).

Pode-se, com efeito, perguntar-se se a confusão entre "gradualidade da lei" e a "lei da gradualidade" não tem sua explicação em uma baixa estima pela lei de Deus. Acredita-se que essa lei não seria adequada para todas as pessoas, para todas as situações, e, portanto, deseja-se substituí-la por uma ordem diferente da divina.

4. Há uma verdade central na ética cristã, que neste momento deve ser resgatada. Nós lemos há poucos dias na Liturgia das Horas da festa da Natividade de Maria: "A lei foi vivificada pela graça e foi posta a seu serviço em uma composição harmônica e fecunda. Cada um dos dois elementos, a lei e a graça, preservou suas características, sem alteração ou confusão. No entanto, a lei, que antes constituía um pesado fardo e uma tirania, tornou-se, pelo poder de Deus, peso leve e uma fonte de liberdade." (Santo André de Creta, Sermo I: PG 97, 806).

O Espírito Santo, dado aos fiéis, escreve em nossos corações a lei de Deus, de modo que ela não é apenas expressa para o exterior, mas também e acima de tudo é doada para o interior. Persistir em crer que haveria situações em que seria de fato impossível para os cônjuges ser fiéis a todas as exigências da verdade do amor conjugal equivale a esquecer aquele acontecimento de graça que caracteriza a nova aliança: a graça do Espírito Santo torna possível tudo aquilo que não é possível aos seres humanos quando estes restam abandonados às suas próprias forças. É necessário, portanto, sustentar o casal em sua vida espiritual, convidá-los a um recurso frequente aos sacramentos da Confissão e da Eucaristia, para um retorno contínuo, uma conversão permanente para a verdade do seu amor conjugal.

Todos os batizados, por isso mesmo também os esposos, são chamados à santidade, como ensinado pelo Concílio Vaticano II (cf. Lumen Gentium, 39): "In variis vitae generibus et officiis una sanctitas excolitur ab omnibus, qui a Spiritu Sancto aguntur, atque voci Patris oboedientes Deumque Patrem in spiritu et veritate adorantes, Christum pauperem, humilem, et crucem baiulantem sequuntur, ut gloriae eius mereantur esse consortes" (ibid., 41). Todos, incluindo os cônjuges, são chamados à santidade, e é uma vocação, isto, que também pode exigir heroísmo. Isso não deve ser esquecido.

Caríssimos, a reflexão que concluís neste dia deve ser continuada e continuamente aprofundada, para se ter uma visão sempre mais adequada da verdade do amor conjugal, que constitui o patrimônio mais valioso do matrimônio. Empenhai-vos generosamente nesse esforço. Acompanhe-vos em vosso trabalho a bênção apostólica, que vos concedo de coração.

© Copyright 1983 - Libreria Editrice Vaticana

http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/speeches/1983/september/documents/hf_jp-ii_spe_19830917_procreazione-responsabile_it.html

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